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Antes de começarmos esse papo reto sobre desenvolvimento tecnológico dentro de favelas, gostaria de contar um pouco da minha história. Nasci e cresci dentro do conjunto de favelas do complexo do alemão, sou filho de uma costureira e de um técnico em telecomunicações e como a maioria dos jovens favelados eu conheço a violência e os tiroteios desde cedo, morei até os 7 anos de idade com a minha mãe e poucos dias após o meu aniversário meu avô meio que me adotou com a intenção de me dar boa educação e uma nova perspectiva de futuro. Meu coroa me ensinou que a educação seria minha melhor arma para garantir um futuro
digno, mesmo ele tendo estudado somente até a 3° série do fundamental, e realmente ele estava certo porque hoje escrevo esse texto para vocês como um engenheiro mecânico, professor e empreendedor.

Começamos o nosso tema com a frase do escritor William Gibson –“O futuro já está aqui, só não está uniformemente distribuído”, fazendo uma analogia desta frase podemos entender que hoje poucos tem acesso e utilizam as ferramentas para o futuro e muitos ficam sem conhece-las ou utiliza-las e é assim que podemos entender o desenvolvimento tecnológico no Brasil, nas favelas esse desequilíbrio tecnológico e social é mais aparente pois a grande maioria dos jovens não tem acesso a uma internet de qualidade ou a um computador. No meu caso eu só fui ter acesso a um
computador na minha casa aos 15 anos, antes o computador que usava era o da lan house (oh saudade de joga Counter Striker contra os meus vizinhos), graças a um programa de incentivo a informatização do governo da época.

A “cultura Maker” é algo que só fui ter conhecimento dentro da faculdade, meu estagio foi construir um laboratório maker na instituição em que estudava e diariamente fui entrando nesse mundo do aprender fazendo, dentro do laboratório tive meu primeiro acesso a uma impressora 3D, aos 23 anos, e me apaixonei pela tecnologia e fui ver o preço da brincadeira e caí para trás porque custava 15 mil reais e foi aí que entendi que nem todo mundo poderia ter acesso a essa tecnologia, mas percebi que se um gringo pode fazer então eu também posso e após 6 meses de estudo
fiz minha primeira impressora 3D com sucata eletrônica gastando apenas R$680,10.

A cada dia que se passava eu via que essa metodologia tinha que passar adiante, mas de uma maneira nova e de fácil entendimento e foi neste momento que fui a campo pesquisar para ver se os jovens de onde eu morava conhecia essa tal cultura maker, após entrevistar 30 jovens aleatórios nas ruas próximas onde eu morava, tive como resultado de que a maioria deles não sabiam o que era essa tal cultura. Mas você deve estar pensando, será que dá certo ensinar algo que eles desconhecem totalmente e ter resultados positivos nessa pesquisa? Segundo Paulo Freire, ensinar:
“Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)”, então descer a goela abaixo desses jovens um método de ensino  mericanizado e gourmetizado é totalmente errado.

Através de Paulo Freire, pude entender que para haver o desenvolvimento tecnológico dentro da favela da forma que sempre sonhei, deveria aprender a ler a realidade dos jovens e a partir desse pensamento refiz a pergunta a esses 30 jovens da seguinte forma – “você sabe o que é gambiarra?” e em segundos todos eles responderam de forma automática que sabiam e que eles e os pais utilizavam varias gambiarras dentro de casa. O brasileiro é um dos seres mais criativos do planeta, não é atoa que a NASA tem que nos estudar, despois desse estudo eu parei de falar de
cultura maker e passei a ser quase um pregador da arte da gambiarra, a gambiarra é um design 100% brasileiro e é a nossa “cultura maker” tupiniquim, hoje eu falo que sou um mestre de gambiarras e não um “adepto da cultura maker”.

Porém quando abordamos o desenvolvimento tecnológico dentro das favelas, querendo ou não, ao mesmo tempo falamos de politicas públicas para o acesso desses jovens a essas ferramentas. O Rio de Janeiro em questão é uma terra que se divide entre o antes e o depois do túnel, onde há e onde não há acesso. O estado tem um projeto incrível que eram as naves do conhecimento, que infelizmente engatinham com orçamentos reduzidos e a grande maioria de seus polos fechados, esse projeto era para ser de máxima importância para a o aumento do acesso a tecnologia e na
diminuição da desigualdade tecnológica comparada ao jovem que tem acesso a essas ferramentas que moram após o túnel. Atualmente decidi levantar essa bandeira, pois sonho com o dia em
que irei fundar um escola de tecnologia dentro da minha comunidade e mostrar para a sociedade que o jovem preto e favelado é mais que um dado de uma estatística de violência e sim o futuro, sonho um dia em que as favelas serão verdadeiras Wakandas e mostrará que seus moradores são altamente criativos, empreendedores e batalhadores. Termino esse texto falando que podemos reverter essa desigualdade, então você que é empresário ou investidor dê uma oportunidade a favela e a um jovem favelado, pois eles vão te surpreender.

Lucas Lima

Criador da impressora 3D de baixo custo, engenheiro mecânico, professor de robótica e morador do complexo do alemão