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Sou idealizadora e fundadora do Elas Programam – um projeto que visa aumentar a presença e permanência de mulheres no mercado de tecnologia. Há 3 anos à frente desse movimento, faz parte da minha rotina diária receber mensagens de Tech Recruiters a CEO’s em tom de lamento: “Adoraria contratar mais mulheres, mas quando divulgo vagas, só recebo currículos de homens. As mulheres simplesmente não se candidatam. Onde posso encontrá-las? Parece que não estão interessadas”.

É fato que existe um gap de gênero no setor: de acordo com uma pesquisa realizada pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 20% dos profissionais que atuam no mercado de TI são mulheres. Isso é indiscutível: somos minoria na área. O que venho desmistificar hoje aqui é a falta de interesse da nossa parte.

Segundo um estudo apresentado no evento Women in Tech, 74% das meninas gostam de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Porém, apenas 0,4% delas escolhem estudar ciências da computação quando adultas. Não é por falta de interesse ou aptidão e sim uma construção sócio-cultural muito forte que desencoraja meninas e mulheres a escolherem carreiras ditas “masculinas”.

No mundo capitalista que estimula o consumo através de propagandas e programas para o público infantil, é evidente a divisão entre brinquedos de meninos e meninas. Desde o berço, as meninas ganham bonecas, panelinhas, coisas fofinhas e são ensinadas, tanto em casa quanto na escola, a serem cuidadoras, doces, delicadas e zelosas. Meninas sonham, ou melhor, são estimuladas a sonhar em ser mães e professoras e este tratamento acaba guiando suas escolhas a profissões consideradas “femininas”. Enquanto isso, aos meninos são dados foguetes, aviões, carrinhos, armas, kits de construtor/cientista, blocos de montar: oportunidades de desafios, fantasias e criações. O surgimento do computador pessoal veio para fortalecer ainda mais essa “divisão”, graças à ideia de que computadores são brinquedos exclusivos para meninos. Essa lógica permeia ainda os ambientes acadêmicos e profissionais.

São esses fatores potencializados pelas propagandas, educação escolar e aval da própria família que acabam influenciando fortemente na perpetuação do estereótipo de que homens são melhores na área de exatas, enquanto mulheres têm mais aptidão para a área de humanas. Como resultado, nos habituamos a ver cursos que têm como características fundamentais o cuidado e a educação sempre dominados por mulheres e as áreas de engenharia e tecnologia pelos homens.

Para agravar ainda mais o problema, falta a tão necessária representatividade. Existe o apagamento histórico das mulheres que desempenharam papéis importantes na evolução da computação. Todo mundo sabe quem é Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg. Mas poucas pessoas conhecem Kathleen Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Snyder Holberton, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum que programaram o ENIAC, o primeiro computador totalmente eletrônico de uso geral. E não podemos deixar de mencionar Ada Lovelace que desenvolveu o primeiro algoritmo da história e hoje é reconhecida como a primeira programadora de computadores da história.

Sem estímulos, sem modelos para se inspirar na infância reforçados pelos estereótipos impostos pela sociedade, as meninas acabam por desconsiderar carreiras de ciência, tecnologia, engenharia e matemática: em 2016, dados da Sociedade Brasileira de Computação mostram que somente 15% dos estudantes de cursos de Ciência da Computação são mulheres e de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009, 79% das mulheres desistem dos cursos de Tecnologia da Informação logo no primeiro ano.

Somado ao fato de sermos minoria nas faculdades e no mercado, foi resultado de um estudo interno da HP que homens se candidatam a uma vaga quando cumprem apenas 60% dos requisitos e mulheres mandam CV quando preenchem 100%.

Para as empresas e seus processos seletivos enviesados e ultrapassados, levanto algumas dúvidas: será que os currículos não chegam por que o anúncio da vaga não atrai os escassos talentos femininos? As imagens do anúncio, a comunicação usada sempre no masculino não causa rejeição por parte das mulheres? Como está a reputação da empresa quanto a ser um ambiente fértil e promissor para mulheres?

Já passou da hora de buscar soluções para mudar esse cenário de falta de diversidade na tecnologia. Vamos assumir nosso papel de agentes transformadores da sociedade. Devemos movimentar ações de real impacto, simples mas efetivas como por exemplo, não perpetuar estereótipos de que meninas não deviam estudar programação, combater piadas e comentários misóginos de colegas de classe, professores que acabam por causar a evasão de meninas das faculdades e cursos, coordenação e corpo discente devem estar atentos a esses ataques de bullying em sala de aula,

Há tanto a fazer. Basta querer! Vem com a gente?

Silvia Coelho

Paraense, mãe de dois, palestrante, empreendedora digital e fundadora do Elas Programam, movimento que tem por objetivo aumentar a presença de mulheres no mercado de tecnologia. Atua na gerência de projetos, gestão de comunidades, curadoria e criação de conteúdo, produção e host de podcast.